O papel do designer nas organizações

Até hoje, uma das maiores reclamações de profissionais iniciantes em design é a desvalorização de seu trabalho. Em muitas ocasiões, designers foram excluídos de projetos pela visão do profissional produtor-de-imagens, marginalizado na atuação de um processo ‘criativo’ que nada mais significava do que desenhar algo legal na visão de quem contratava. Esse aspecto de profissional criativo, enquanto para uns seja qualidade destacável para a finalidade, pode implicar no fracasso do projeto ou em sua má execução, ainda mais quando aliado a má formação profissional.

Imagine a cena: é seu aniversário e você precisa de um bolo para comemorar. Você pede para alguém gente boa fazer este bolo  —  talvez aquele sobrinho que sabe cozinhar ovos, afinal ele não cobrará nada. Ao provar, você percebe que o resultado não ficou excelente como gostaria, então contrata um chef, entrega-lhe o bolo do jeito que está e diz: “deixe-o gostoso”. (Mike Monteiro, modificado)

Este cenário, ainda muito comum em pequenas empresas e no interior do país, é potencializado pela displicência na formulação dos projetos por conta de desconjuntura — e poderia ter soluções incríveis com o acompanhamento de um bom designer. Não trato aqui de casos avaliados como deficiência de gestão ou sobre articulação de setores, mas sobre a efetividade esperada do produto ou serviço final e o papel fundamental do designer antes, durante e depois da implementação.

No texto Why designers should be shaping business strategy, John Moore Williams aborda este cenário: designers, em geral, recebendo soluções prontas diretamente pela gestão para dar-lhes uma solução visual que lhes atende o gosto ou um chamado emergencial para desvendar brechas e consertar falhas de projetos que por vezes estão em fase avançada. Conhecidos nacionalmente como trabalhos de pastelaria, são aquelas demandas “pra ontem” que já vem com a expectativa visual, como “use muitas cores para dar destaque”. Além da evidente perda de tempo e recursos neste cenário, o texto trata também das transformações sofridas neste cenário ao longo dos anos, puxadas por empresas de tecnologia e startups.

Hoje, designers estão inseridos no coração estratégico do desenvolvimento de produtos e serviços por uma razão muito simples: design é fundamentado em projeto. É como traduzimos uma ideia, um objeto, um propósito através de uma forma – e é por isso que bons designers encaixam-se perfeitamente na estruturação de projetos com equipes multidisciplinares. Com a explosão de tecnologia nas últimas duas décadas, temos praticamente a vertente de uma nova revolução (quarta revolução industrial, se assim preferir). Os projetos se tornaram maiores e mais complexos, equipes com diferentes backgrounds se formaram para tornar excelente cada uma das fases de desenvolvimento dos produtos ou serviços. Ao longo do tempo, surgiram nomenclaturas específicas como UX, UI, motion e outras que conseguem abranger pequenos universos de conhecimento, mas giram em torno de um mesmo ponto: experiência.

Bons designers são pensadores, solucionadores de problemas inventivos, com ótimas habilidades sociais e tendem a se tornar um ativo mais valioso com o tempo – as organizações estão percebendo que é mais vantajoso custear estas equipes criativas para repensar e reinventar suas soluções.

Em Why you need design, Mike Monteiro cita Jared Spool definindo design como a tradução das intenções. As intenções devem ser claras para que o final seja claro. Isso vai muito além do gosto pessoal do contratante, pois objetiva minimizar as dores ou promover diferenciação. É necessário desmembrar estas dores do público-alvo dentro do escopo estratégico da empresa para que a análise seja completa e os pontos destacados à frente não sofram com a discordância por gosto de quem aprova. Um exemplo desta situação de gosto pessoal conflitante é um desacordo entre partes que têm palavra final na execução de um projeto digital: se o menu deve estar ou não visível, a paleta de cores, etc. Não raramente, neste caso, pedem que sejam produzidas mais exemplos para que decidam por um que lhes apeteça. Ora, se o trabalho pára por uma questão dessa magnitude, o projeto tem um problema fundamental: ele não está claro o suficiente para os gestores que justamente buscam implementá-lo.

Antes de mais nada, a essência da razão de ser da empresa e sua estratégia devem ser os fundamentos dos projetos de todas as áreas. Parece algo óbvio, mas não são poucas as empresas que têm dificuldade em unificar a visão, inclusive de tornar práticas as ações que de algum modo tornam-se exteriores. Lembre-se: lucro não é um caminho, é apenas a consequência. Se você não sabe vocalizar seu propósito, dificilmente quem está do outro lado irá compreendê-lo.

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Uma forma de ajudar a orientar projetos é garantir a presença do designer sênior nas reuniões em que o escopo do projeto é definido, bem como suas características. O bom designer é um profissional de entendimento abrangente e com capacidade para defender os projetos de forma analítica. É mais efetivo e eficiente compartilhar estas informações na raiz e responsabilizá-lo de traduzi-las em equipe para a formulação do briefing e aprovação do projeto (inclusive metodologia) com os gestores responsáveis, do que condensá-las em um briefing generalista e esperar uma boa impressão segundo a escala hierárquica ascendente.

Assim, com a atuação de uma equipe voltada para o design (design driven), as chances de sucesso são maiores, pois permitem amadurecimento de ideias e validação constante. Seja um produto ou um serviço, uma equipe focada em desenvolver um projeto que entende a linguagem do público e expõe sua função de forma clara, objetiva e eficaz, mostra as características que a organização sonha para si em matéria — uma voz da empresa perambulando pelo globo.

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Enviado por luizresende